eu disse que o tempo aqui passa voando, né? queria começar esse texto de uma forma diferente, mas como pode ser diferente atualizar sobre sua vida (recortes dela) para quem quiser ler? nesses outros cinquenta e cinco dias que se passaram, muita coisa aconteceu. completei 22 anos, comecei um canal no YouTube, passei de nível nas aulas de inglês, comecei a trabalhar, fiz novas amizades e me perdi muitas vezes nas ruas de Melbourne - mas já não importa, sinto algum pertencimento na cidade, vivo nela.
esses dias, enquanto fazia o terceiro vídeo do canal, esse aqui:
contei um pouquinho mais sobre minha vida de leitora e percebi que a Juliana de 12 anos morreria de vergonha de postar tudo que ela posta hoje nas redes sociais. em algum desses dias, em uma das minhas aulas de inglês, o professor pediu para contarmos um conselho que mudou nossa vida, ou que gostaríamos de dar para alguém. sem pensar muito, falei: “ninguém realmente se importa tanto com o que você faz, você é menos importante do que você pensa que é”, vi em sua expressão um pouco de espanto, então tratei de me explicar.
quando eu falo isso, quero dizer que eu me importava tanto com o que os outros iam achar de mim que eu escondia coisas que eu adorava fazer, como *escrever uma fanfic* (com 12 anos jurei que esse segredo morreria comigo e honestamente eu não lembro nem como/o que eu escrevia, só lembro que era de jogos vorazes), ou falar sobre o livro de romance que eu comecei e nunca dei a chance para que fosse publicado por medo. tanta coisa já me paralisou por medo e ele nunca me recompensou em nada. nada aconteceu de grandioso (ou ao menos bom) enquanto estive com medo.
então sim, claro que você é importante e as pessoas se importam com você, mas qual sua relação com isso e com o que você deixa de fazer?
foi um processo lento, desse meu rompimento com o medo de existir. aos pouquinhos tomei coragem de aparecer, falar, olhar, apontar, discordar, entender o certo e errado. mudando pensamentos, entendendo e aprendendo, conhecendo pessoas que me faziam pensar além do que eu já sabia. é difícil lembrar da juliana pequena, lembrar a forma que eu me comportava parece distante: um passado que me rende poucas memórias. me sentia muito perdida na fase da adolescência, mas de um jeito diferente, como se não pudesse falar tanto das coisas que eu gostava com ninguém. me mudar de cidade me ajudou muito nessa expansão, saber que existia novas pessoas e novos lugares, tão diferentes daqueles que eu conhecia desde pequena, me conectar com esses novos lugares e pessoas me trazia a sensação de um mundo maior, com um bilhão de possibilidades. e cá estou eu, mais longe ainda da minha cidade natal, para enxergar o mesmo de outra forma e aprender também coisas diferentes.
o que eu quero dizer com tudo isso é que a minha vida é minha e a sua é sua. é justo que a gente faça delas o que nos faz bem, sem se esconder em medos. é mais fácil escrever do que por em prática, admito, mas não é do dia pra noite que isso acontece, é devagar mesmo, às vezes dói.
saindo dessas reflexões, mas não totalmente, escrevo esse texto ao mesmo tempo que termino a leitura de “água viva”, de Clarice Lispector, que é mais um texto sobre o ato de escrever. posso dizer que a ideia do fluxo de pensamento permanece e é tão interessante como uma história. tem coisas que eu não sei ainda transpor em palavras, mas basta ler Clarice para saber como descrever certos sentimentos.
A vida é oblíqua? Bem sei que há um desencontro leve entre as coisa, elas quase se chocam, há desencontro entre os seres que se perdem uns aos outros entre palavras que quase não dizem mais nada. - Água viva, Clarice Lispector
também li outros livros durante esses dias > “O que é meu”, do José Bortolucci, “O avesso da pele”, do Jeferson Tenório, “Search History”, da Amy Taylor e “A natureza da mordida”, da Carla Madeira
> tenho tido boas surpresas! apesar de todas essas leituras, meu ritmo diminuiu bastante em relação ao ano passado, mas pra ser bem sincera? não tenho problema nenhum com isso e espero conseguir transparecer esse sentimento para quem me segue também.
falando em livros, já posso nomear três livrarias favoritas aqui da cidade.
a favorita é a “readings” :)
para escrever esse texto eu li os dois antigos, 6 dias e 45 dias na Austrália e não é como se muita coisa tivesse mudado (em relação aos meus sentimentos e coisa e tal), apesar de muita coisa ter acontecido. o mais relevante foi começar a trabalhar, primeiro em um café pela manhã dos finais de semana e agora em um restaurante pela noite (até agora nas sextas e sábados), pude sair completamente da minha zona de conforto, atrás de computadores e palavras (como meu antigo trabalho em um jornal televisivo) para lidar com pessoas em uma língua que eu não domino.
meu trabalho na cafeteria é simples, atender os clientes, jogar conversa fora enquanto eles esperam o café, esquentar croissants e sanduíches, limpar o que for necessário, passando no mínimo quatro horas no estabelecimento. apesar de nunca ter feito, não é um trabalho tão difícil, é novo.
gosto com quem divido essas horas, me rendem boas conversas e até conselhos. é preciso dizer também que o dono do lugar não é o mais fácil de conviver, levei atenção por estar com as mãos no bolso (por conta do frio), porque eu estava dando uma visão de desleixada (mesmo não atendendo ninguém no momento e estando fora do café). pequenas reclamações que não dizem nada sobre mim, mas sobre quem fala elas, principalmente da forma que são faladas, algo que jamais repetiria se eu fosse dona de algo e estivesse lidando com meus ‘funcionários’. também vi pessoas que eu gosto sendo mandadas embora por muito menos.
no restaurante (alemão) o ambiente é mais divertido, o mesmo que minha irmã já trabalhou no início da sua vida australiana e que todos mantém um certo respeito por ela, ser a irmã mais nova tem alguns benefícios. é bem mais puxado (no último sábado terminei lá para meia-noite) tenho que ficar atenta aos copos e pratos vazios, entrega de comida e bebidas nas mesas, limpeza e dúvidas de quem frequenta o restaurante, mas acaba sendo mais dinâmico.
percebi nesse último fim de semana em que trabalhei que estou aprendendo a lidar mais com que eu sinto. durante meus três (dos quatro) anos que morei em São Paulo, morei com meu pai e em todo discussão que tínhamos eu sentia uma vontade enorme de chorar, não porque ele era grosso comigo e suas palavras me feriam, porque sua paciência é até maior que a minha, mas porque eu ficava frustrada, com raiva e não sabia lidar com isso, não sabia sequer expor direito o que pensava. nessa última sexta-feira, ouvi que o sanduíche (que eu não tinha preparado, apenas esquentado), era o pior que o *dono do café* tinha comido na vida, seguido de longos minutos sobre como eu poderia ter feito aquilo. no primeiro segundo, admito, senti vontade de chorar, mas reorganizei as ideias enquanto escutava coisas que sabia que não eram justas e pensei que jamais trataria alguém assim. pedi desculpas e perguntei como deveria ser feito então, logo sua reação mudou e ele me ensinou qual seria o jeito certo com calma.
veja bem, não estou dizendo que chorar seja errado ou que devemos ouvir calados tudo que nos é falado, mas tem coisas que simplesmente não valem a pena. coisas que eu sei que não dizem nada sobre quem eu sou, sobre quem eu me tornei, sobre o quanto eu mudei. penso agora sobre esse dia e sinto que minha reação foi tão boa quanto os aprendizados que ando tendo/tive sobre como não fazer aquilo que você não gostaria que fizessem com você. até porque, como levar algo pro pessoal, se esse mesmo comportamento atinge todo mundo que trabalha para ele?
mandei um áudio para uma amiga esses dias sobre isso, escolher nossas experiências nos transforma em quem somos daqui alguns anos, acredito que esse processo de mudar, quando ele existe de verdade, leva tempo. óbvio que vou ter muito mais o que aprender na minha vida, mas 100 dias na Austrália já me fizeram enxergar tanta coisa que penso ser uma daquelas experiências de formação.
além do mais, consigo ver de perto o crescimento da minha irmã e não canso de falar dela. falo a verdade quando digo que queria que todo mundo tivesse sua ‘Fernanda’. admiro o amor que ela achou em uma relação de companheirismo, seu cuidado comigo, das nossas receitas que melhoram a cada dia, dos chás que fazemos e conversas nunca ditas antes por telefone. como disse na carta aberta antes de viajar para cá “olhando você, me faz acreditar que nosso destino nos pertence e que temos várias maneiras de chegar até ele.”