é estranho tentar escrever quando não se consegue. quando minhas palavras não saem, se forço, parece que são lançadas ao abismo e não sei o que elas encontram lá do outro lado. nesses dias, eu me sinto egoísta com minha própria vida, porque quando não sinto prazer em escrever, o mundo me parece um pouco triste.
dito isso, voltei a escrever.
já se passou um mês e alguns dias que viajei para Austrália, o tempo aqui passa voando. não digo isso pela minha última newsletter ter sido escrita quando eu completei seis dias em um país diferente, mas porque, quando eu pisco, a manhã, que acabou de começar, se torna a tarde e depois a noite, como se essas poucas horas encurtassem bem mais do que vivendo no Brasil. não sei se é algum tipo de efeito brasileiro reverso, mas minha família que mora aqui ainda continua com a mesma sensação e eles já moram aqui a mais de cinco anos.
sabe, quando criei essa newsletter, secretamente eu queria que ela fosse um estilo de carta aberta sobre meus dias e pensamentos para quem quisesse ler. algo íntimo, mas que ainda tivesse uma pitada de curiosidade, algum link externo, alguma forma de interesse maior, para que, quem lesse, realmente fosse meu leitor. isso de uma maneira geral não é bobagem, mas eu duvido muitas vezes se alguém gosta de ler tudo isso que eu coloco aqui.
uma carta para todos lerem, deixa de ser uma carta? ando pensando bastante sobre cartas esses dias. os motivos de escrevermos, enviarmos, recebermos. como esse gesto é bonito, a carta em si, ter em suas mãos a grafia de outra pessoa - só para você. o tempo passa, a carta continua sua. tudo aquilo ali escrito continua sendo seu, só seu.
durante uma das minhas aulas de inglês, eu tive que fazer uma carta contando meus dias em Melbourne para a professora avaliar minha escrita. pensei no que eu deveria falar e escolhi uma pessoa específica para receber, (mas ela não vai, porque nem a carta ficou comigo). nela eu falava sobre minhas expectativas, as comidas e os sabores que eu já tinha experimentado, as conversas que eu tinha tido, quem eu já tinha conhecido, eu falava também sobre saudade, na verdade, a carta toda me parecia ser sobre isso.
se eu fosse escrever ela hoje, eu acrescentaria:
o dia em que eu amarrei meu cabelo sem xuxinha e Ayaka (minha amiga do Japão) ficou impressionada com essa habilidade (tentei ajudar ela a fazer o mesmo, quando conseguimos foi uma festa);
a brincadeira coreana de bebida que aprendi (é super difícil, imagine bêbada);
eu imaginava que não sabiam que no Brasil nós falamos português, mas passei a me divertir: “nossa… como você não sabe disso e é professor de línguas?” pensei comigo mesma.
andar sem rumo ouvindo música não faz daquele momento um filme, mas continua sendo legal, principalmente quando você tem que esperar o sinal abrir e o sol do fim da tarde finalmente aparece;
me concentro melhor em leituras quando não estou dentro de casa, mas da última vez que fiz isso preferi prestar atenção na conversa de duas mulheres mais velhas sobre seus trabalhos (em minha defesa estava praticando minha escuta em inglês);
passar muito tempo sozinha me sufoca. eu descobri que às vezes sinto essa necessidade, de ficar só, mas não gosto me sentir sozinha;
aqui o pessoal valoriza muito o trabalho nacional, como velas, cremes, artesanatos e comidas locais;
cozinhar ainda é chato, mas se eu investir em temperos diferentes minha comida pode ficar bem gostosa;
se você for fazer um piquenique na praia ou no parque, fique de olho nas gaviotas, aqui elas só procuram uma brecha para atacarem sua comida;
conversar em uma língua diferente faz você tentar explicar as coisas do jeito literal da sua língua materna, essa vontade por buscar a tradução perfeita, por querer se fazer entender da maneira como você cresceu. às vezes não funciona, mas o processo é divertido, está todo mundo aprendendo mesmo.
já passei muitos dias sem minha irmã aqui, porque ela foi visitar o Brasil por um mês (já já está de volta) e isso inclui: tive que fazer tarefas básicas sem ela, como almoçar ou ir em uma cafeteria sozinha, fazer o mercado, perguntar o caminho para alguém quando me perdia e o google maps se tornava confuso demais. essas coisas que a gente deixa para a outra pessoa quando estamos juntos dela, basicamente tive que perder a vergonha e isso foi bom. mas longe de me sentir sozinha, ainda tenho duas pessoas aqui da minha família que me dão um suporte imensurável. Marcela com suas conversas, planos e passeios tão gentis que um dia espero poder retribuir metade e Luizinho com as ligações preocupadas e os conselhos para essa nova vida.
voltei ao ritmo de leitura que tanto gosto, não devorar as leituras, mas apreciar cada história e ter tempo suficiente para falar sobre elas. “dez dias num hospício”, “antes que o café esfrie” e “o que é meu”, dois livros de não ficção e um de uma literatura que não conhecia.
“Por incrível que pareça, quanto mais eu falava com lucidez, mais louca me consideravam.”
“All right then, perhaps you could buy me a coffee? he said. That was the moment Fumiko fell in love.” - li esse em inglês!
“Um homem que era ao mesmo tempo uma parte essencial da minha vida e um visitante sazonal que desorganizava o ritmo dos nossos dias.”
*frases respectivas de cada livro*
lendo em inglês percebi que meu “reading skills” é bem maior do que qualquer outro e que eu tenho mais dificuldade na gramática e na pronúncia de algumas palavras. nesse mês, minhas aulas intercalavam para desenvolver melhor essas habilidades, e o esquema funcionava assim: segunda, terça e quarta aula de gramática com uma professora francesa e nas quintas e sextas aulas de conversação com um professor (esqueci a nacionalidade, mas seu sotaque era mais difícil de entender).
mesmo a professora sendo atenciosa e amigável, sempre elogiando minhas roupas e meu cabelo, senti que ela repetia estereótipos não só sobre mim, mas sobre todas as pessoas latinas da sala. algumas pontuações como: quais são as inseguranças do seu país caíam sobre nós e para os demais a pergunta mudava para “como é a segurança”. senti alívio quando conversei com algumas pessoas e não tinha sido só eu a perceber aquilo, tivemos até um momento na aula que um colega meu revirou os olhos, pensou ‘chega’ e comentou em voz alta que não era legal ela fazer aquilo. ri baixinho da expressão de espanto.
para finalizar abril e entrar em maio, já comecei em outra turma. avancei de nível dentro do intermediário e pude escolher uma turma diferente para os dias de quinta&sexta: “public speaking”, a aula que mais gostei até agora! nela aprendemos a usar nossa voz, a entonação, novas palavras, a melhor maneira de construir um discurso e por aí vai, pensei que me ajudaria muito no futuro da minha escolhida profissão e acho mesmo que estava certa.
não tenho nada a reclamar ou ao menos me queixar dos meus colegas, que alguns já arrisco em chamar de amigos. todos estão interessados em saber como foi seu dia, o que você vai fazer depois da aula, se você precisa de ajuda em algo ou se simplesmente só quer conversar. já fui parada várias vezes nos corredores por alguns que lembraram de mim apenas para dizer um “oi! você tá bem?” e isso faz uma diferença enorme, se você me visse depois dessas conversas, provavelmente eu estaria com um sorriso bem grande.
as amigas que agora considero amigas amigas eu fiz no primeiro dia de orientação da escola. já saímos juntas, bebemos, passamos perrengues, confessamos coisas e de uma forma sincera também cuidamos uma da outra.
“me avisa quando você chegar; claro que te acompanho em casa; você se sente sozinha?; como era a vida lá no seu país?; é assim que se fala na minha língua; você já almoçou?; o que você gosta de fazer?; sinto saudade de casa.”
é bom poder conversar com quem está vivendo o mesmo que você, mesmo sendo pessoas tão diferentes, pessoas novas, que ainda não sabem quase nada sobre você, mas em poucos dias, poucas conversas e olhares, já sabem muito, o suficiente.
agora, durante as minhas caminhadas, troquei a música pelo audiobook do “avesso da pele” do Jeferson Tenório, comecei já quando estava quase no fim do “o que é meu”, mas não consegui dar muita atenção e decidi voltar tudo!
prometo tentar trazer relatos que não demorem tanto para sair que nem esse, obrigada por ler até aqui :)