O primeiro pensamento que tive ao pisar no avião de Sidney para Melbourne foi sobre reencontrar minha irmã, reencontrar ela agora se resumia a menos de uma hora. Ao mesmo tempo que eu ansiava por aquele momento, tive medo de não reconhecer ela nos mesmos gestos de antes. Cruzar o mundo, passar seis anos longe da família me parecia algo muito maior que apenas amadurecer e eu me sentia a mesma garotinha que pedia para dormir com ela nas noites mais escuras. Quando o avião pousou, avisei que tinha chegado, sabendo que ela me receberia com a mesma alegria de sempre.
Quando a vi, todas minhas dúvidas foram embora, era o mesmo abraço, o mesmo olhar carinhoso, a mesma risada que compartilhávamos quando eu tinha 10 anos e pelo contrário, minha proximidade com ela parecia ainda maior em poucos segundos. Brincamos sobre a diferença de altura “você está tão mais alta”; “não lembrava de você tão baixinha” enquanto esperávamos a mala. Nem parecia que era real, não parecia que estávamos juntas de novo.
Eu sentia a mesma sensação de estar em São Paulo no começo de 2019, não era ruim, longe disso, mas era estranho, desafiador, difícil, mais difícil ainda e por alguns segundos tive a lembrança sobre ter que dividir mais um pedaço meu em outra cidade, a sensação de não pertencer a nenhum lugar, me sentir perdida mesmo com uma das minhas pessoas favoritas do mundo do meu lado. Apesar de amar mudanças e sentir vontade de procurar elas sempre que é possível, o começo causa incômodo, um estranhamento e eu passo por essa fase como se eu pudesse visualizar minha vida sem ter que sentir ela de fato. Como se eu montasse um quebra-cabeça e esquecesse propositalmente algumas peças debaixo do sofá.
Talvez seja difícil imaginar o que eu estou escrevendo, por isso não coloco nenhuma responsabilidade nas mãos de vocês que me leem. O que eu quero dizer de tudo isso é que de maneira alguma me arrependeria da escolha que fiz, de maneira alguma deixaria esse sentimento, que eu sei que é passageiro, atrapalhar minhas vivências aqui, mas ele existe e seria errado negar isso, seria muito injusto da minha parte vender storys e fotos bonitas sem falar do outro lado.
Na tarde em que cheguei não me sentia cansada, fomos para casa - minha nova casa - e comemos sanduíches vietnamitas que Harry (namorado da minha irmã) gentilmente comprou e eram uma delícia. Depois fomos passear pela cidade, trocar meu número de celular, comprar o cartão do transporte para mim e fui aproveitando cada segundinho. Uma das primeiras coisas que reparei foi como as pessoas se vestiam, não lembro de ter visto tantas combinações, peças e estilos diferentes na minha vida. Aqui cada pessoa parece única e digo isso não para ser clichê ou uma grande descoberta da moda, mas sim de como cada individualidade é facilmente ressaltada. Não vi ninguém igual até agora.
Comemos um dos pratos que posso colocar como os melhores da minha vida - Korean BBQ - e o cansaço bateu. Estava exausta, mas o fuso horário (de 14h a frente!!!) não me deixou descansar completamente, acordava no meio da noite, me assustava com o horário e voltava a dormir, mesmo assim, a noite passou rápida.
No domingo fomos no mercado, a variedade de alimentos também me chamou atenção, os temperos que nunca tinha visto, mas também reparei em tudo que eu já conhecia, não era tão diferente assim. Comprei alguns itens de higiene essenciais e comida para fazer o almoço da semana. Voltamos para casa e só deu tempo de trocar a blusa, já estávamos na rua de novo, agora explorando outros lugares, visitando feirinhas, sebos, lojas de roupas e chás (um dos novos vícios da minha irmã). O dia seguiu agradável, já me acostumava com o clima - frio de manhã e de noite, quente pela tarde - e paramos em um restaurante japonês. Mais um prato diferente, mais sabores desconhecidos.
Dessa vez o prato foi ramen, já tinha experimentado no bairro da Liberdade em São Paulo e não tinha gostado, mudei de opinião nos primeiros minutos, apesar de ainda preferir o prato do primeiro dia. Entre conversas e compras de frio, a tarde passou voando (aqui o tempo parece passar mais rápido).
Na segunda-feira eu tinha um desafio: visitar a ‘State Library of Victoria’ sozinha. Minha irmã sai de casa às 6h40 para o trabalho, Harry às vezes de home office, às vezes presencial, nesse dia passou em casa. Pela tarde fui andando até a estação West Richmond
e sem muitas dúvidas entrei no train,
acompanhando cegamente o google maps, percebi que eu deveria fazer alguma baldeação (bem depois minha irmã me explicou que era só seguir no train
que eu estava…), mas desisti e fui a caminhando até a biblioteca. O lugar é enorme e rodeada de pessoas e história eu vestia uma saia de bolinhas comprada em um brechó em SP, meias amarelas, botinha de onça, blusa e casaco também amarelos. Quando minha irmã foi me encontrar no final da tarde ela comentou “não foi difícil te achar, só vi um pontinho amarelo”. Harry, mais tarde, comentou em um português esforçado “você gosta de roupas coloridas”.
Andei pelos corredores sem pressa, apreciei as obras, procurei livros específicos e sentei em uma das mesas para ler um pouco “O Morro dos Ventos Uivantes” e enquanto lia o drama da vida de Catherine, contada por Nelly, eu esqueci de onde estava, podia estar em qualquer lugar. Reencontrei um poema favorito da Sylvia Plath, pratiquei meu inglês com ele e postei mesmo morrendo de vergonha, agora eu preciso falar inglês, certo? E voltamos para casa na promessa de encontrar um amigo de Harry e Nanda que se mudou para Alemanha com a esposa e visitava Melbourne para passar um tempo com a família.
No final, a noite virou um grande encontro de amigos de um trabalho anterior dos dois (vamos chamar os amigos de A, B e D). A é divertido, gosta bastante de falar e é um pouco intimidador, B é mais tímido e o mais difícil de entender por causa do inglês australiano forte e D parecia ser o mais brincalhão, soltava as piadinhas mais engraçadas. Os três foram ótimos, pude escutar bem mais do que falar, pelo meu inglês ainda ser uma insegurança e me frustrou um pouco ter muitos comentários para fazer, mas não fazê-los. Pedimos cervejas e uma batatinha com um molho bem gostoso para acompanhar a conversa e no final eu já me sentia mais à vontade. Confissões e alguns assuntos mais sérios surgiram na mesa, triplicando minha atenção que já era bastante grande no esforço de acompanhar o que era dito.
Pedimos a conta e fomos embora, os três meninos continuaram por lá, eu estava cansada e facilmente pularia a etapa do banho se tivesse tomado pelo menos mais uma cerveja. A noite era fria e a volta para casa era curta e rápida. Foi a primeira noite em que consegui dormir bem, mesmo acordando cedo.
A semana seguiu com chuva e minha ansiedade começava a aparecer mais para começar logo minhas aulas no dia 27. Aproveitei para comprar um casaco para o frio que ameaça os próximos meses e conhecer um pouco mais da região onde agora eu moro. Nesses momentos, sentia a mesma liberdade que me alcançava na metade de 2019, dessa vez uma liberdade mais madura (e talvez mais bonita e sincera). Hoje, sexta-feira pela manhã (exatamente 7h10 enquanto termino de escrever essas palavras) completam seis dias de Austrália. Nesse meio tempo já vi e conheci tanta coisa nova que tenho receio de esgotar todas elas no primeiro mês - sei que é bobo pensar isso.
Continuo ansiosa para as aulas começarem, quero sentir minha rotina aqui e como tudo vai funcionar, mas isso fica para o próximo relato :)